MARTHA PAGY ART OFFICE
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DESAGUAR_____________________Thainan Castro
A piscina por algum tempo foi um novo habitat. A densidade líquida daquele
ambiente me sustentava mais que o ar atmosférico. Ao mesmo tempo que ela
amparava meu corpo naquele quadrado cheio d'água, gerava uma carga que me
demandava força para exercer o movimento. Mas a fluidez da água ao mesmo
tempo que era carga era também meio, era motor.
Por várias vezes me peguei tão à vontade naquele ambiente que já não o sentia
como cheio d'água e sim como um grande “vazio”, um novo vazio que me
sustentava, me possibilitava ficar em pé e me sentir em cinesia novamente.
Esta série de desenhos começou pelo interesse de descrever de alguma forma esse
movimento na água durante um longo período de fisioterapia. Os corpos, a ideia do
movimento, o rastro, o reflexo... Tudo me chamava atenção. Tudo era diferente do
meio “normal” que vivemos e era novidade novamente. Por mais que eu já tivesse
tido contato com mares e piscinas antes, nunca tinha parado para observar outras
particularidades da água que me sustentava nesses lugares.
Esses trabalhos têm se desdobrado cada vez mais como um exercício de observar
que talvez não seja mais pela busca de uma técnica acadêmica ou perfeccionista e
seus detalhes. Essa busca me fazia sentido em outro momento, quando procurava
alcançar por outros meios esses caminhos, essa sensação de movimento que a
água sugere.
Os desenhos são majoritariamente em carvão, um material denso, que precisa de
pressão para ficar no papel, e ao mesmo tempo frágil, que esfumaça, apaga, some
com facilidade, mas deixa rastros.
E de um tempo para cá, a água entrou como materialidade no processo e não mais
só como tema. A água reage com o carvão. Reage fisicamente pois tira ele do
repouso, do que já ficou mineralmente preso na tela e faz ele dançar novamente
pela superfície. E deixa outros testemunhos por onde passa. O carvão se redeposita
aos poucos, mas agora no tempo da água. E por mais que a gente tente se impor a ela, domar e mostrar o caminho, em algum momento a água corre por si só, para
onde deseja.
O corpo tem 70% de água. Talvez daí saia parte do que escorre.
O corpo humano tem cerca de 20% de carbono em sua constituição. Principalmente
nas células gorduras, carboidratos e proteínas. Daí vem boa parte da energia que
usamos para nos movimentar.
O carbono é o principal elemento do carvão mineral. Talvez daí saia parte do que
fica como rastro, como resíduo de movimento.
Tem sido também parte do processo aprender a respeitar o tempo do material. O
tempo que leva para a água andar, cansar, secar e enfim descansar os resquícios
do que já foi em algum momento o traço pensado. Tempo esse que é de outra
urgência. E daí então posso continuar a conversa em cima desse trajeto incerto
que a água sugere.
"Desaguar" é uma forma muito particular de lembrar e reaprender os movimentos
e o tempo das coisas, seja pelo meio, seja pelo suor para dar o próximo passo, o
próximo traço. De lembrar que é preciso combustível e água para fluir.
Thainan Castro, nascido em 1990 no Rio de Janeiro - Brasil, é artista
visual formado em design pela PUC-Rio. Sua investigação fala sobre
memória: do desdobrar do seu processo de desenho através de uma
recuperação física depois de um acidente que lhe tirou
temporariamente os movimentos, da busca de instantes ordinários
em seus caminhos pela cidade, dos lugares que passa, e de
lembranças de outros momentos já vividos. Procura resgatar
reminiscências de modo a criar um universo lúdico e nostálgico,
revisitando em si histórias que possam conversar também com outras
pessoas, convidando o espectador a criar relações particulares com a
obra, como parte daqueles momentos. Thainan foi indicado ao Premio
PIPA 2021.